Nos últimos anos, a ação em defesa do patrimônio cultural brasileiro esteve associada à resistência contra o desmonte de políticas públicas associadas à Cultura e à Cidadania, especialmente aquelas pautadas pela participação social e pela garantia de direitos para populações historicamente marginalizadas. Vários foram os desafios impostos aos defensores do Patrimônio Cultural: a nomeação de pessoas alheias ao campo para os cargos de gestão do patrimônio, a desintegração dos processos de inventário, o atraso nas revalidações dos Registros, as propostas de destombamentos e mesmo de venda de imóveis históricos, como o icônico Palácio Gustavo Capanema, no Rio de Janeiro, que suscitou ampla mobilização social.
O IPHAN foi alvo, também, de inúmeros ataques. Seu enfraquecimento institucional passou por diversos fatores, dentre eles a desmobilização do Conselho Consultivo, e as inúmeras restrições orçamentárias, mediante sua realocação para o Ministério do Turismo. O Ministério da Cultura, entidade que até então abrigava essas políticas, fora reduzido ao status de secretaria.
Em outras regiões, o avanço de atividades extrativistas de larga escala em territórios tradicionais, por exemplo, trouxe à tona uma verdadeira crise humanitária com impactos marcantes nos modos de vida tradicionais. O alheamento do governo brasileiro por pelo menos 4 anos com relação a tais processos de violência material e simbólica tornou imprescindível a atuação dos profissionais de História na denúncia das violações dos Direitos Humanos.
A ANPUH Brasil e seu GT História e Patrimônio Cultural foram agentes atuantes neste processo. De forma autônoma ou articulados com o Fórum Nacional de Entidades em Defesa do Patrimônio Cultural, o GT História e Patrimônio Cultural se colocou como elemento de problematização das práticas autoritárias do governo brasileiro entre 2019 e 2022, tendo incorporado esta problematização no escopo de seus últimos dois Seminários Nacionais História e Patrimônio Cultural (2021 e 2022).
Além disso, a pandemia do COVID-19, mal enfrentada pelo governo brasileiro, legou um saldo de mais de 700.000 mortes e a interrupção das atividades presenciais, o que trouxe impactos para a própria dinâmica acadêmica, com a impossibilidade de encontros presenciais e a complexificação do potencial mobilizador dos movimentos sociais.
Com a eleição de um novo governo, muda o cenário a ser enfrentado pelos profissionais e pesquisadores de História envolvidos com o Patrimônio. O desmonte observado, neste contexto de reorientação das políticas públicas em direção a uma prática mais democrática, traz a necessidade de intensa participação na reconstrução, tornando ainda mais relevante o papel social dos historiadores no campo do Patrimônio Cultural.
A mudança de ares já se faz sentir, com a conquista de uma demanda histórica da comunidade historiadora: a garantia da representação da ANPUH no Conselho Consultivo do IPHAN, oficializada em portaria recente, bem como a inclusão de mais representantes da Sociedade Civil, notadamente os detentores de bens culturais imateriais registrados, mestres e mestras da cultura tradicional popular. Esta abertura do campo, em nossa avaliação, é um bom alento no sentido de reconstrução das políticas de patrimônio cultural no Brasil tendo em vista a promoção da cidadania cultural, a estruturação das carreiras dos trabalhadores da cultura envolvidos com o Patrimônio Cultural e a reflexão sobre os Patrimônios Sensíveis, encarando este debate como essencial para a promoção de uma educação patrimonial voltada para a Democracia.
Neste sentido, a atual gestão da Coordenação do GT História e Patrimônio Cultural propõe como tema do V Seminário Nacional História e Patrimônio Cultural o seguinte título: “Patrimônio e Cidadania Cultural: os desafios da reconstrução”. O evento promoverá o debate sobre o atuação e o lugar da comunidade historiadora na construção de novos rumos no âmbito das políticas patrimoniais brasileiras, dos arquivos e dos museus, bem como sobre as pautas candentes das políticas públicas na área da cultura pós-governo obscurantista.
As conferências, mesas redondas e Simpósios Temáticos abordarão as pautas dos profissionais de História no contexto de remontagem da estrutura burocrática do Ministério da Cultura, as relações entre Patrimônio Cultural e o ensino de História, a formação de profissionais de história para o campo do Patrimônio no Ensino Superior, as demandas das comunidades tradicionais, indígenas, quilombolas, mestres e mestras da cultura popular diante do esvaziamento das políticas públicas nas áreas da Cultura e Assistência Social, dentre outros temas que se fazem necessários para que as políticas de proteção e salvaguarda do Patrimônio Cultural avancem na direção da garantia dos direitos culturais a parcela cada vez mais ampla da população brasileira.